A sala cheirava a canela, um cheiro que vinha do fogão da cozinha, no sofá ela assistia um filme de amor, ele deitava-se em seu colo, os cabelos em carícia, quase dormia. Alguma coisa sobre casais assistindo a filmes juntos representa harmonia. O modo como ele lhe abraçava as pernas, confiando a ela o amparo de seus pensamentos. Permitir que ele dormisse é outra concessão comum e voraz de assumir a calma.
- Sabe o que eu estava pensando?
- hum... – sonolento
- Que se você pudesse ouvir tudo o que eu penso, como se fosse você pensando, mesmo sabendo que eram pensamentos meus...
- Isso seria extremamente invasivo e geraria terríveis conflitos! – ele ajeitando-se nas pernas para poder olhá-la.
- Não! Me deixa falar, ia ser justamente o contrário, por que eu tenho auto-censura, tudo o que eu penso de ruim, eu penso que não devia ter pensado, logo em cima, e ainda me sinto culpada.
- Mas e as coisas que são ruins para mim e você pensa, achando que são boas?
- Essas coisas, são as coisas que você pensa que eu vou pensar, mas quando me pergunta eu nego, e mesmo assim você acha que eu só neguei pensar para não te deixar triste... Mas no fundo você já esperava que eu pensasse essas coisas.
- Pode ser...
- Se você pudesse ouvir todos, completamente, meus pensamentos, e eu os seus, no fundo, não brigaríamos, mas entenderíamos ainda mais as atitudes imaturas, os comportamentos inesperados... As vezes os porquês redimem as atitudes, por mais coisas ridículas que se possa fazer!
- É... Inteligente... utópico mas... – ele riu.
- Mas o quê – ela lhe espelhou o riso.
- Mas não seria como tentar rimar com ônibus? As pessoas são muito diferentes!
- Essa é a graça!
- Mas se elas se conhecessem tão profundamente... Não ficaríamos todos, meio, iguais? Quero dizer, no fundo, a gente é sempre controlado por versões diferentes dos mesmos sentimentos; medo, vaidade, prazer...
-Mas não seria interessantes perceber como as experiências diferentes de cada um se associaram com esses sentimentos? De que forma, o que aconteceu pra você ser mais vaidoso que eu, pra eu ter medo de sapo e você não gostar do mar?
- Nossa, mas você é tão inteligente... – e toda filosofia se desmonta pela barganha de um sorriso.
- Inteligente o suficiente pra eu ganhar um beijo?
- Não!
- Como não?!
- Meus beijos não são comprados, assim, por pensamentos inteligentes!
- Como eu compro seus beijos, então?
- Ah! Não sei... Canta pra mim...
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