domingo, 1 de maio de 2011

Há fogo. É uma condição de ser um pássaro de grande poder e luminescência. Há, e não é necessário que se fuja dele, um fogo que o consome como quem come e come. Ele sente a eterna asia de queimar seus próprios pensamentos. Queimar suas próprias penas a cada minuto e, tão dolorosamente como as águias arrancam o próprio bico, fazer nascer as novas de dentro de um eu ferido e cheio de bolhas que jamais deixa de ser e é a cada minuto. A cada minuto, a cada minuto, todo o tempo. Há de se entender que o poder não é só o ter, mas o sofre-lo. Já não mais parece duro e maldoso dizer isso. Esse pássaro é assim, e já o é sabido.

Acontece que, numa noite mais vermelha que o comum, seu voo era baixo e fraco. O fogo, que jamais deixa de haver, lhe cobria os olhos e não existia decisão. Restava o voar triste de não saber onde ir. Cair para o mais intenso abaixo de si era um perigo vivo.  Seu fogo cessaria, sua garganta engasgaria e o sal lhe queimaria as avessas; como uma dor alcalina. Mas não havia decisão, só impulso. Só medo. Só cegueira.

Sabe-se de que pássaro está-se falando. Mergulhou fundo, mentira, deixou-se cair profundo para uma morte mais dolorida que sua vida. A água mata lento, com um desespero calmo de jamais queimar, mas desfalecer com frio. Foi necessário cada pena cair. Então a pele, à mostra, enrugar. O corpo todo se encolher, feio e escuro, como se encolhem simples frangos numa mesa. Ultraje!Foi necessário que as garras inchassem, moles e inúteis, para a morte acontecer; sem jamais deixar de cair e morrer.

Como matar uma criatura imortal? Não há, no mundo, para a Fennix, uma morte definitiva. Não há, nesse universo, fim para o fogo. O fogo é infindável. É rídiculo e nasce todos os domingos no topo de alguma colina. Ainda mais poderoso, ainda mais invisível e colorido. Belo é pouco. E vivo toda manhã. E só.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

TEXTO da TIA!

Faz tempo que não escrevo. Isso me doeu profundamente durante todo este tempo, e ainda agora, ensaiando frases pueris, dói-me a fadiga, o atrofiamento desta parte de mim, e o esforço para formar uma ideia bela e ativa é tão grande. Quem me disse que eu não posso escrever? Jamais saberei, enquanto tento garantir que não fui mesmo eu. Sim, acho que já é possível entender. Já bastam as palavras que já disse, talvez bastem. Meu corpo agora reclama e meu coração se engasga, mas continuarei.

Há, no mundo, que o que me fez voltar a escrever, por hoje pelo menos, um texto que li de um amigo recém conquistado. Uma coisa fantástica a possibilidade de se conhecer pessoas novas, sem segundas intenções, sem flerte ou jogos. Eu tenho meu amor, ele tem o dele. Podemos sentir pena de Nietzsche à vontade. Ele tem sua vida, eu tenho a minha, meu sonhos e ele os dele, minhas responsabilidades e enfim... Nietzsche poderia ser um pouquinho menos desaforado... Há, voltando, que ele escreveu em seu veículo unilateral particular, iterativo às vezes, um texto cujo assunto me lembrou uma conversa com uma senhora importante para mim. Ele falava do choque de gerações, dos que eram jovens da época da ditadura, das expectativas tão diferentes que esses tinham da vida naquele tempo. Minha tia me contou de quando ela foi moça, morando em Boca do Mato (para onde nossa família voltou, quatro gerações à frente, para relaxar uma alegria bucólica de filhos criados), tinha 15 anos, no início da década de sessenta. Naquela época éramos muito pobres. Hoje tenho 19 anos e me lembro do quanto éramos pobres. Não parece fazer sentido, mas é tão real quanto a minha vontade de lutar pela vida.

Nossa casa, hoje, é feita em madeira, estamos no meio de uma reforma. Isso deve ser assunto para outros textos. Aconteceu nesta semana passada de estarmos, ela e eu, sozinhas em casa. A iluminação é pouco clara e tudo dentro da madeira tem aquele tom amarelado de verniz. Se eu deixar bem claro que a descrição senhora dessa minha tia é coisa de um péssimo linguista, talvez entendam que essa conversa não foi um choque de gerações. Melhor que se entenda isso agora que se perturbem com o desenrolar de depois. Minha tia é uma mulher adulta, já chegada ao 65 anos, que adora pegar no cabo duma enxada capinar o quintal de casa. Ela também gosta de lavar roupa e cozinhar, mas só quando bem entende. Ninguém capina como ela. Ninguém tira manchas como ela, e não há bife acebolado melhor que o dela. E tem mais. Ela fuma e bebe, sua voz é rouca. E é uma das mulheres mais tresloucadamente poderosas que conheço. E poder não é qualquer coisa. É uma essência do indivíduo que ela possui.

De volta a sua adolescência, minha tia conta que sua mãe lhe pedia toda semana que fosse para uma fila. Essa fila é o ponto que me conecta ao texto deste novo amigo. Num país desorganizado, mais pobre que a maioria pode se lembrar, a distribuição de comida era uma problema social assustador. Qualquer quilo de feijão ou arroz, que jamais poderíamos sonhar com umas fatias de mortadela, custava caríssimo para se comprar numa venda. O exército trabalhava na distribuição desses bens básicos para que o mais pobres pudessem comprar comida. Não era dado! Era comprado. Formava-se uma fila, num bairro vizinho, que começava na madrugada para acabar às três horas da tarde. Minha tia adolescente chegava por volta das nove, acho que nem sempre conseguia comprar o arroz... Ela não mencionou semanas assim para mim.

Não era só isso que o Brasil sofria.

Certa vez, ela decidiu visitar o bebê recém nascido de uma irmã mais velha. Ela já morava em outra cidade. Lá, a criança estava sob os cuidados de uma prima ainda mais nova, a mãe tinha saído pra conseguir comida de algum jeito. A visitante decidiu que como estava não podia ficar e arrumou umas trouxas para levar todos para sua casa. Minha tia disse que o primeiro que pensou foi em voltar pra barra da sai de sua mãe. O ônibus que a trouxera já não voltava mais. Havia uma greve. Tiveram de pegar carona num carro da empresa de energia elétrica. Ela fingiu a viajem toda que o motorista não estava roçando suas pernas enquanto dirigia. O Brasil era uma merda.

Quando chegaram em casa, a tia, a prima e o bebê dormiram com fome.

Sabe o que lhes salvou a vida? O que é de mais interessante sobre essa história? O que organizou a vida da minha tia, o que lhe permitiu comprar uns pãozinhos na venda, ou quem sabe ir e vir foi o Golpe Militar. Foi quando se viu alguma ordem no país, são as palavras dela. Posso com isso? Eu fui educada, e muito bem educada, diga-se de passagem,para a odiar profundamente a ditadura. E minha tia dizendo pra mim que a coisa finalmente funcionara depois com ela se instaurou. É claro que ela, hoje, gosta tão pouco da ditadura quando eu... Mas isso define um pouco esse "choque de gerações", e objetivos e de valores...Tem que ter estado lá para se funcionar do jeitinho que minha tia funciona hoje. Jamais se poderia viver uma vontade de se fazer parte de um governo, trabalhar no estado, quando se vive o que nós vivemos. Uma estabilidade sem tamanho aos olhos de minha tia. Que aqui de cima em, já 2011, faz com que ser freelance seja melhor que ser professor...

Ninguém entende que, ainda que tudo mude, tudo muda... Minha ia hoje tem dois diplomas na Universidade. Ela fez Direito e Ciências. O Brasil não é mais uma merda... Tanta coisa aconteceu...


Leia o texto do meu amigo...

http://rafacalixto.blogspot.com/2011/04/economia-segunda-parte-conflito.html


sexta-feira, 15 de abril de 2011

De volta, quem sabe maior.

Subi cinco andares até acha-lo. Quando o vi, já estava visto, e embora continuasse a tentar subir, só o que fui capaz de sentir era medo de altura. Descobri que precisava de mais 14 goles de vinho para tê-lo. Tive. Descobri que precisaria de vários milênios para conhecê-lo. Agora durmo em minha cama e sinto sono. Mas dormir já não é possível. Levei 3 passos para perceber que meu corpo não era mais o mesmo.

No sexto andar eu já não sou mais capaz de ver. Ando às cegas sem saber o que fazer, e, não, não existe medo mais triste que esse. O estado de ignorancia. A fome. O frio sem cobertores. Recolocar a roupa. E não dormir. Não dormir, jamais esquecer, jamais dormir... e cansar eternamente.