sexta-feira, 11 de abril de 2008

o canto do morto desconhecido...

Vi-me numa sala com o corpo nas mãos. Uma velha coberta de flores, uma daquelas velhas que já viveram tanto tempo que não se acredita mais que vão morrer. Eu não acreditava que estava morta. Na sala, para mim, encontrava-se, apenas, uma pessoa que dormiu muito zangada. E velha demais para acordar contentou-se em continuar sonhando. Sonhava que era jovem, aqueles antigos balanços nos quadris, a visão quando não era gasta e rebeldia adolescente. Não ela não morrera. Era a avó de alguém que dormira zangada.

Liguei-me a lembrança de que poderia ser a minha avó. A que não morre. Que parece desnecessária, mas nunca é esquecida. Quando seria a vez em que eu estaria aos prantos e inúteis consoladores poriam as mãos em meus ombros? Não. A minha anciã deveria ser protegida, pois ao contrario da mulher zangada na sala, era minha e sua falta seria sentida. Afastei-me da preocupação quando a vi caminhar em minha direção, mais preocupada comigo que eu com ela.

O cheiro de rosas mortas era insuportável e a ladainha começara. Canção de gente que é católica há muito tempo. Que acha que a oração vai pra cima na marra; empurrando uma a uma. Corre a música de um tom e corre a tia supersticiosa para que não saíssemos na frente do cortejo. Morto a gente segue de trás que é pra que ele vá mesmo primeiro que nós.

Uma boa hora para se chorar o que estava preso pela goela. Ninguém pergunta. O suposto motivo está ali. Zangado, dorminhoco da juventude, avô de alguém.

No outro dia, nada se ouviu falar. Quem mora na hora certa não deixa saudade?

2 comentários:

André Soares disse...

*arrepio*
Nossa, eu gostei muito dos seus textos, sobretudo do útlimo ^^
Posso te adcionar em minha lista de blogs?
Vou passar aqui mais vezes...

Livia R disse...

dessa vez vc se superou!
ficou brilhante!
bjim