domingo, 29 de março de 2009

Esterno

Sabe aquele osso do peito? Aquele bem no meio. Entre os seios. Pois bem, tem um osso lá. Ou deveria ter! Eu acho que eu não tenho, não! Eu acho que eu nasci sem, ou arrancaram logo que pariu-se a morena. Ou quem sabe tenha caído com o umbigo. Acontece que ele não está aqui. Em mim as coisas entram peito adentro sem dificuldade alguma! Mas é claro que entram! Quando deveria ter uma grossa troça de cálcio e pedregulhos perdidos para proteger o que eu tenho por dentro, e não tem, fica fácil! É mais uma reclamação para o cara que está escrevendo esse romance. Eu tenho um defeito! O buraco aqui no peito está sem tampa.

Pois que já há algum tempo entrou uma bola de fogo. Alojou-se, e o pior, seguiu-lhe o universo inteiro! Entrei até eu mesma de novo, tragada por um punho pulsante lá do fundo de mim. Ofeguei cansada, no inicio. Foi um pouco desconfortável. Tive umas mudanças de humor. Uma azia horrível. Mas superei.

Mais tarde entrou uma abstração confusa. Uma tara por usar palavras! Um tesão pelas letras! Entrou líquido e sorrateiro, e, quando vi já estava no sangue. Borbulhou! Ebuliu! Tive de mergulhar no mar mais profundo para liquidificar a arte. Pois, me desculpe, ainda não tenho tampa nem estou cheia. Sorvi o mar inteiro.

Agora as praias são meus peitos e as baleias, as algas, os peixes, as águas vivas, todo o plâncton e os biólogos marinhos nadam em mim. Ano passado mergulhou um. Ainda está aqui. Acho que resolveu explorar demais e invadiu outras partes. Achei bonito, prendi-o nas trompas. Inteligente, anda sobrevivendo. Ele dói às vezes, mas isso é coisa de poema.

Acontece que, problema eu tive mesmo, Doutor Escritor, quando as coisas intrusas, e eu as andei aceitando sem saber, começaram a brincar com a única coisa que já estava aqui dentro. De braços abertos, espiando para fora do buraco, as mãos agarradas num punho cheio de cordas, estava a voz, o som. Nossa! Custou! Só agora consigo vislumbrar como ela conseguiu por ordem nisso tudo. Arranjar quarto pra todo mundo dormir, lavar as roupas, fazer o jantar para tudo o que entrou! Imagine que agora a matriarca resolveu se enfurecer! Resolveu pôr todo mundo pra fora! Logo agora!

Romancista, eu não quero faltar com o respeito, mas se não dá pra consertar o defeito e me arranjar uma tampa, por que agora já era... O senhor podia pelo menos arranjar uma mão para entre os peitos. Alguém que de vez em quando me fechasse. Não precisa ser sempre, que eu bem gosto de sentir esse bando de coisa. Mas só pra silenciar o sol, o universo, o mar e os mergulhadores algumas vezes! Ninguém cala a minha voz! E nem me preocupa, que atravessa tudo o que tiver no caminho. Nem se tivesse tampa ia deixar de ser ouvida. Eu só quero mesmo uns minutos de calma. Se vierem uns beijos macios e umas mordidinhas de leve, vai ser bom também. Se puder dar um jeito nisso, seria de grande ajuda. Muito obrigada!

Ah! Só mais uma coisa, o final deste capitulo está chegando. Vê se não deixa muita coisa pra resolver depois! Você se enrola e no final põe a culpa em mim!

Um comentário:

Unknown disse...

Incrível!!!!!!!!!!!!!!!!
Sério!!! Extremamente paradoxal!
Incrível de verdade!!! Gosto de como vc usa as figuras de linguagem! Muito pertinente isso!!! Sério! Achei super bom!!! Vc terá certamente uma linda carreira!!!